A impressão de que protestar não dá em nada já caiu por
terra. A noção de que o brasileiro não se mobiliza quando há um campeonato de futebol perdeu
de goleada. Frutos de sonhos, mobilização e lutas as manifestações em todo o
país já obtiveram resultados, como a redução de tarifas de transporte, a revogação
do aumento do pedágio nas estradas de São Paulo e o amplo debate sobre
mobilidade em grandes e médias cidades do Brasil.
Mesmo sem lideranças, partidos políticos ou sem uma única
pauta os protestos obtiveram êxito. É possível reivindicar de maneira “horizontal”,
por meio de redes sociais, algo que a Primavera Árabe e os protestos na Europa
e nos Estados Unidos já tinham mostrado. Faltam reivindicações mais claras, sensibilidade
em alguns pontos, objetividades em outros, mas sim, os protestos trouxeram consequências
positivas que vão muito além de estradas e ruas.
A política voltou à boca do povo. A democracia e os direitos
do cidadão também. Mostrou-se, no mínimo, um despreparo das autoridades e da polícia em
lidar com a população. A onda de mobilização fez com que aquele sujeito que
sempre se opôs a manifestações repensasse seu posicionamento – alguns já até
saíram para as ruas para protestar. Os atos farão ainda os atuais políticos e os
futuros candidatos pensarem duas vezes antes de dissociar sua eleição do que o
povo quer e do que acontece nas ruas.
Cresci ouvindo a história de que sou da geração que não sai da frente do computador, que só "reclama muito no twitter"
Tenho 24 anos e cresci ouvindo a história de que as Diretas
Já e os Caras Pintadas contra o Collor foram os últimos movimentos politizados.
Depois disso veio uma maré de conformismo e alienação. Uma geração que não sai
da frente do computador. Por muito tempo ouvi dizer que era da geração que “reclama
muito no twitter” e só. Por muito tempo realmente foi assim, mas isso acabou.
Como sempre acontecem quando se percebe um fato histórico, tenta-se
descobrir como tudo começo, quais as
razões e consequências. Discordo de algumas fórmulas quase matemáticas que vi
por ai “explicando” o passo a passo de revoltas, do tipo Insatisfação +
Repressão policial = Revolução, ou fórmula cíclicas em que a História sempre se
repete. São teorias, não leis. Mesmo assim, exponho aqui as minhas teorias.
Em 2010 Tiririca recebeu mais de um milhão de votos. Era um inconformismo sem rosto definido, mas com o recado de que a política tradicional não agradava.
COMO COMEÇOU?
Em 2010, durante as eleições, o “Fla x Flu” entre Dilma x
Serra, PT x PSDB parece ter se repetido com mais vigor do que antes. Surgiu
ainda uma terceira via representada pela Marina Silva. Além disso teve a
eleição de Tiririca. O palhaço recebeu mais
de um milhão de votos para Deputado Federal, num sinal de que o brasileiro, ou
ao menos o paulista, não confia mais em partidos políticos, nem nos candidatos
de sempre. Ninguém ligava para o PR, nem para a coligação partidária em que ele
ajudou a eleger outros representantes do povo. Era um inconformismo sem rosto
definido, sem reclamações claras, mas com o recado de que a política tradicional
não agradava.
Mesmo com a vitória do PT e com uma aprovação inédita de
Dilma Rousseff, o apoio da população ao julgamento do Mensalão e a ideia de
faxina nos primeiros meses do governo deixaram clara a insatisfação com o PT. A
esperança de parte do eleitorado em se ver representada pela PSDB, DEM e PPS se
mostrou inócua com a inatividade dessa oposição. O livro Privataria Tucana virou
best-seller e Demóstenes Torres passou de herói a vilão. Tudo isso se misturou.
Veio então o desejo popular de fazer do presidente do STF um candidato à
eleição presidencial. O Judiciário, único poder em que não escolhemos
diretamente representantes, virou a menina dos olhos do povo em detrimento ao Legislativo
e o Executivo. Depois vieram (ou melhor, retornaram) Sarney e Renan Calheiros,
que fazem do Senado quase uma propriedade privada. Leis polêmicas estavam na fila para aprovação quase certa. E mais ainda: um homofóbico
e racista foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. A
revolta a tudo isso se misturou num liquidificador chamado Facebook.
Perdeu-se a esperança na situação e na oposição. Renan e Sarney voltaram e um homofóbico foi eleito presidente da comissão de Direitos Humanos.
PARTIDARISMO
Boa parte do povo não se vê representada por partidos
políticos. No meu trabalho como jornalista, quando cubro manifestações população
(com exceção dos atos trabalhistas, cheios de bandeiras de siglas de esquerda)
os líderes ou representantes da mobilização se apressam em avisar “Não sou de
nenhum partido! É importante lembrar que esse movimento não tem líder. Aqui não
estamos defendendo nenhum candidato.” Parece clara a ligação que as pessoas
fazem entre políticos e oportunismo ou ao menos, em falta de diálogo com a
população.
Mesmo assim, não compreendo a expulsão de partidos políticos
das manifestações. Um movimento apartidário é ótimo, mostra de que há receio em
se recriar líderes populistas que poderiam, futuramente se tornar corruptos, saindo
da contestação para a manutenção do poder (como aconteceu com PT, PSDB e PMDB).
Mas um movimento anti-partidário é perigoso, meio caminho para uma ditadura.
Durante
protestos em São Paulo, integrantes de partidos políticos foram expulsos. São siglas
que há muitos anos vêm lutando pelo passe-livre e que em eleições recebem um
punhado de votos, mas que se recusam a desistir ou a fazer coligações obscuras.
Não me parece justo expulsar das ruas quem há muito tempo estava lá empunhando
o alto-falante e cartazes pelo passe-livre.
Não parece justo expulsar das ruas partidos que há muito tempo estavam lá, empunhando cartazes pelo passe-livre.
Existe no movimento uma espécie de apartidarismo quase
anárquico, mas provavelmente um anarquismo involuntário. Pouquíssimos que vão
às ruas se inspiram no anarquismo europeu do início do século passado.
O personagem de V de Vingança, presente em máscaras remete à revolta contra
governos corruptos (na história em quadrinhos e na historia real que a inspirou
o personagem tenta explodir o parlamento inglês). A face ganhou um novo
significado com o difuso e variado grupo Anounymous, que promove invasões
cibernéticas a sites de governos e de empresas classificadas como representantes
da corrupção ou do status quo (manter tudo como está).
Com a noção simplista de que política é algo ruim, de que Congresso
é uma casa de imoralidade, promovem vandalismo injustificado. Quebra-se um
patrimônio público, que terá o conserto pago pelo povo. Promove-se ainda a
luta, às vezes irracional, contra a polícia, formada por trabalhadores, homens
que cumprem ordens e que se expõe de maneira inacreditável durante os
protestos, sendo muitas vezes (do mesmo modo que manifestantes) são taxados de
brucutus por causa de uma minorias que usa spray de pimenta em inocentes e que
não merecem a farda que vestem.
PROPOSTAS E RESULTADOS
Existe a falta de informação em meio aos protestos com
pedidos sem cabimento e noções vagas como marcha contra a corrupção. E as
propostas? As do transporte deram resultado, principalmente porque já tinham
rumo. A oposição à PEC 37, que limita poderes de investigação do Ministério
Público também já gerou recuos. Está na hora de propostas claras nas outras áreas.
Saúde e educação melhor, claro, mas como? Contra a corrupção... ótimo, mas
como?
É hora de falar em reforma política, aquela que políticos defendem, mas que não põem em prática
Está na hora de falar claramente em reforma política. Aquele
assunto que todos os políticos defendem (ou dizem), mas que nunca põem em
prática. Nenhum partido te representa? São mais de trinta? Eles dizem ter uma
ideologia que não seguem? Ou prometem uma coisa e fazem outra? Quem tal
reivindicar diminuição dos salários? Fim de coligações? Limitação de mandatos
de deputados? Fim de reeleição?
É hora também de falar claramente em qualidade de serviços
públicos. Em transparência efetiva de informações.
Reivindicações mais claras e pautas definidas vão chegar e o
lado inconsequente das manifestações tende a perder força. O primeiro passo foi
dado. As manifestações “contra tudo que aí está” foram o ponto de partida.
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